– Sou ex-pobre. Todos querem me vender geladeira agora. O coletivo ainda quebra todo dia, o bairro alaga. Mas na TV até trocaram um jornalista para me agradar.Eu era razoavelmente feliz até descobrir que não sou mais pobre e que agora faço parte da classe C.
– Com a informação, percebi aos poucos que eu e minha nova classe somos as celebridades do momento. Há empresas e institutos de pesquisa exclusivamente dedicados a investigar as minhas preferências: se gosto de azul ou vermelho, batata ou tomate e meus filmes favoritos.
– A televisão também estudou minha nova classe e, mudou seus planos: além do aumento dos programas que relatam crimes bizarros, as telenovelas agora têm empregadas domésticas como protagonistas e até mesmo personagens ricos que moram em bairros mais ou menos como o meu. Um telejornal famoso até trocou seu antigo apresentador, um homem fino e especialista em vinhos, por um mais povão, do tipo que fala alto e gosta de samba. Um sujeito mais parecido comigo, talvez.
– As empresas decidiram que minha classe é seu novo alvo de consumo, antes, quando eu era pobre, de certo modo não existia para elas. Agora elas querem me vender carros, geladeiras de inox, engenhocas eletrônicas, planos de saúde e TV por assinatura. Tudo em parcelas a perder de vista e com redução do IPI.
– As universidades privadas, então pipocado. Os cursos custam poucos reais ao mês, e isso se eu não quiser pagar menos, estudando à distância. Assim como toda pasta de dente é a mais recomendada entre os dentistas, essas universidades estão sempre entre as mais indicadas pelo MEC, como elas mesmas alardeiam. Se é verdade ou não, quem pode saber?
– Não que eu esteja infeliz com meu novo status de consumidor. Agora mesmo escrevo em um notebook, minha TV tem canais de esporte e minha mãe prepara a comida num fogão novo; se isso não for felicidade, do que se trata, então?
– O problema é que me esforço, juro, mas o ceticismo ainda é minha perdição: levo 2h30 para chegar ao trabalho, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo das enchentes no bairro. Ou seja, ao mesmo tempo em que todos querem me atingir por meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século passado. Eu e mais de 30 milhões de pessoas que não somos pobres, mas classe C.
– Deixa eu terminar por aqui o texto, porque daqui a pouco vão me chamar de chato ou, pior, de comunista. Logo eu, que só li Marx na versão resumida em quadrinhos.
Texto resumido do publicado na Folha de São Paulo por Leandro Machado – NG Canela – Agosto de 2012
Leia um pouco mais em:
http://unacomportamentodoconsumidor.blogspot.com.br/2011/10/classe-c-ascensao-e-comunicacao.html