“O que a memória ama, fica eterno”

– Quando jovem, não entendia o choro dos adultos ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que não choravam por coisas visíveis. Choravam pela eternidade que vivia dentro deles e que eu era incapaz de compreender. O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocadas por pequenos milagres do cotidiano.

– É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando cada momento. Jovens têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para eles, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a vida é impregnada de eternidade.

– Com o tempo envelhecemos, nossos filhos crescem, outros partem. Porém, para a memória ainda somos jovens, atletas e amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão pertos, nossos entes queridos ainda vivem.

– O que a memória ama, fica eterno. Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos e nos damos conta do que guardamos em nossos baús secretos. A memória é dada a segredos recheados daquilo que amamos, que deixou saudades e permaneceu além do tempo.

– A capacidade de se emocionar vem daí, quando nossas memórias afloram de alguma maneira. Um dia você liga o rádio e neste toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música fez parte de você, foi o fundo musical de um amor, ou de uma fossa e mesmo que tenham se passado anos, alguma parte de você volta no tempo lembrando de uma pessoa, de um momento, de uma época…

– Amigos verdadeiros têm a capacidade de se eternizar. É comum ver amigos da juventude se reencontrando depois de anos, já adultos ou até idosos, portam-se como adolescentes. Encontros de amigos são especiais por isso, resgatam quem fomos, jovens cheios de alegria, capazes de atitudes infantis, como éramos há 50 anos ou mais.

Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos, brincadeiras… Mesmo que por fora restem apenas cabelos brancos e rugas.

– A memória não permite que sejamos adultos para nossos pais. Eles não percebem que crescemos, seremos sempre “as crianças”, não importa quantos anos já se passaram. Para eles a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas… Ainda são muito recentes, aquilo se eternizou.

– Por isso é tão difícil despedir-se de alguém especial que fez parte de nossas vidas. Dizem que o tempo cura tudo, mas não é bem assim. Ele só acalma os sentidos, apara as arestas e coloca um curativo na dor.

– Aquilo que amamos sempre volta das profundezas a assombrar de vez em quando. Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que amamos pode ser facilmente reativado pelo enredo de um filme, uma música antiga ou um lugar especial.

– E mesmo que o tempo nos leve daqui seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nós amamos.

 Este texto foi ligeiramente modificado, resumido do  original e está licenciada por Licença Creative Commons. Você pode copiar,   distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Todos   os direitos reservados a Fabíola Simões de Brito Lopes  https://www.asomadetodosafetos.com/2012/07/o-que-a-memoria-ama-fica-eterno.html).      

A frase do título é de Adélia Prado.

Post (319) NG – Janeiro de 2019

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