Conta Isaac Asimov que quando estava no Exército russo, fez um teste de aptidão e consegui 160 pontos. A média era 100. Ninguém nunca tinha visto uma nota dessas e durante duas horas foi o assunto principal… (Não significou nada – no dia seguinte ainda era um soldado raso da KP – Kitchen Police, que trabalhava na cozinha).
Durante toda minha vida consegui notas como essa, continuou o que sempre me deu uma ideia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso. Na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder perguntas acadêmicas, consideradas pertinentes pelas pessoas que formularam esses testes, e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?
Por exemplo, eu conhecia um mecânico que jamais conseguiria passar em um teste desses e sempre me considerei mais inteligente que ele.
Mas, quando acontecia alguma coisa com o meu carro era ele que eu procurava. Observava como ele investigava a situação enquanto fazia seus pronunciamentos sábios e profundos, como se fossem oráculos divinos e sempre resolvia o problema.
Então imagine se esses testes de inteligência fossem preparados pelo meu mecânico, ou por um carpinteiro, ou um fazendeiro, ou qualquer outro que não fosse um acadêmico. Em qualquer desses testes eu comprovaria minha total ignorância e estupidez, seria mesmo considerado um ignorante.
Em um mundo onde eu não pudesse me valer do meu treinamento acadêmico, do meu talento com as palavras e tivesse que fazer algum trabalho com as minhas mãos ou desembaraçar alguma coisa complicada eu me daria muito mal. A minha inteligência, portanto, não é algo absoluto, mas sim algo imposto como tal, por uma pequena parcela da sociedade em que vivo. Meu mecânico adorava contar piadas. Certa vez ele me perguntou:
– Doutor, um surdo-mudo entrou numa loja para comprar uns pregos. Ele colocou dois dedos no balcão como se estivesse segurando um prego invisível e com a outra mão, imitou umas marteladas. O balconista trouxe então um martelo. Ele balançou a cabeça de um lado para o outro negativamente e apontou para os dedos no balcão. Dessa vez o balconista então trouxe vários pregos. O cliente seguinte era um cego. Ele queria comprar uma tesoura. Como o senhor acha que ele fez?
Eu levantei minha mão e cortei o ar com dois dedos, como uma tesoura.
– Mas você é muito burro mesmo! Ele simplesmente pediu!
Enquanto meu mecânico gargalhava, ele ainda falou: – Estou fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje.
– E muitos caíram? – perguntei esperançoso.
– Alguns. Mas com você eu tinha certeza absoluta que ia funcionar.
– Ah é? Por quê?
– Porque você tem muito estudo, doutor, sabia que não seria muito esperto.
E algo dentro de mim dizia que ele tinha alguma razão nisso tudo.
O extraordinário escritor russo Isaac Azimov, emigrado para os EUA, escreveu esta deliciosa crônica sobre a inteligência humana. Azimov, falecido em 1992, aos 72 anos, legou-nos grandes obras de ficção científica, numa delas previu, com 20 anos de antecedência, o que seria a Internet – NG Canela – Setembro de 2013