Metafisica

Einstein morreu e foi para o céu, o que o surpreendeu bastante. Assim que chegou, Deus mandou chamá-lo.
– Einstein! – exclamou Deus quando o avistou.
– Sim Todo-Poderoso! Exclamou Einstein. Você está muito bem para uma projeção antropomórfica da compulsão monoteísta judaico-cristã.
– Obrigado. Você para um morto também está ótimo. Eu tinha muita curiosidade em conhecer você – disse Deus.
– Não me diga. Juro por Mim. Eu também há anos que Eu espero esta chance.
– Puxa…Não é confete, não. É que tem uma coisa que eu queria lhe perguntar…
– Pois pergunte. Tudo o que descobri foi por estudo e observação.
– Bem… Quer dizer, foi preciso que Eu criasse um Copérnico, depois um Newton etc. para que houvesse um Einstein. Tudo numa progressão natural.
– Imagino.
– E você chegou às suas conclusões estudando o que outros tinham descoberto e fazendo suas próprias observações de fenômenos naturais. Desvendando os meus enigmas.
– Aliás, parabéns, hein? Não foi fácil. Tive que suar muito.
– Obrigado. Mas a teoria geral da relatividade?…Perguntou Deus.
– Sim?
-Você tirou do nada.
– Bem, eu…
– Não me venha com modéstia – interrompeu Deus. – Você já está no céu, não precisa mais fingir. Você não chegou à teoria geral da relatividade por observação e dedução. Você a bolou. Foi uma sacada. É ou não é?
-É.
– Maldição! – gritou Deus.
– O que é isso?
– Não se escapa da metafísica! Sempre se chega a um ponto em que não há outra explicação. Eu não agüento isso! Mas escuta… Eu não suporto a metafísica!
– Mas a minha teoria ainda não está totalmente provada…
– Mas ela está certa. Eu sei. Fui eu que criei tudo isso.
-Pois então? Você fez muito mais do que eu. Einstein tentou acalmar Deus.
– Não tente me consolar, Einstein. Você criou do nada. Você não entendeu? Eu sou Deus. Eu sou a minha própria explicação. Mas você? Você não tem desculpa. Com você foi metafísica mesmo.
– Desculpe. Eu…
– Tudo bem. Pode ir.
– Tem certeza que não quer que eu…
– Pode ir. Eu me recupero. Vai, vai.
Quando Einstein saiu, viu que Deus se dirigir para o armário das bebidas.
Crônica de Luiz Fernando Veríssimo publicado na revista Veja em 11 de maio de 1988
Post (323) – Novembro de 2023

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