No ano passado, meus pais, profissionais bem-sucedidos decidiram reduzir seu ritmo de vida para aproveitar o que resta com alegria e saúde, tomaram uma decisão: alugaram o apartamento em moravam num bairro nobre de São Paulo, enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos.
Aqui, os dois alugaram um apartamento agradabilíssimo no bairro modernista do Eixample, com um terço do tamanho e um vigésimo do conforto do de São Paulo, com direito a limpeza de apenas uma vez por semana. Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam todos os dias para almoçar e/ou jantar. Com tempo de sobra, devoraram o calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Europa, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a quem proporcionaram incontáveis jantares regados a bons vinhos.
Passados alguns meses constataram que estavam gastando muito menos para viver aqui do que gastavam no Brasil. Sendo lá saíam para comer fora ou para algum programa cultural só de vez em quando, por causa do trânsito, dos problemas de segurança, etc.
Milagre? Não. O que acontece é que eles resolveram experimentar um novo modelo de vida que nesse caso, significou deixar de lado o seu altíssimo padrão de vida para adotar, como “estagiários”, o padrão de vida mais austero da classe média européia, da qual eu e meu irmão fazemos parte.
Na Europa, a coisa é bem diferente. A classe média não tem moleza. Toda pessoa normal que se preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a padaria para comprar o seu pão e enche o tanque do carro com as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo totalmente desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e da mão de obra barata.
Traduzindo essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam a limpar a casa nos intervalos do dia da faxina, a usar o transporte público e as próprias pernas, a lavar a própria roupa, dispensar o carro, enfim, a levar uma vida mais “sustentável” e não doeu nada.
De volta ao Brasil, aplicando o que aprenderam, eles simplificaram a estrutura que os cercava, cortaram uma lista enorme de itens supérfluos e red uziram os custos fixos.
O resultado desse experimento quase científico é a prova concreta de uma teoria que defendo em muitas conversas com amigos: o nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média brasileira, que um europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios, acaba gerando stress e muitos efeitos colaterais.
Babás, empregadas, casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o sonho de qualquer um. Só que, mesmo para quem se delicia com essas coisas, a obrigação auto-imposta de manter e administrar essa estrutura acaba se tornando cada vez mais difícil e se transformando em escravidão sem que a “vítima” se dê conta disso. Muitos aceitam qualquer contingência, num emprego malfadado, apenas para não perder estas mordomias, enquanto mal têm tempo de usufruir tudo isso, de tanto que ralam para manter o padrão.
Eu por exemplo, limpo o meu próprio banheiro, não estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá baratex. Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não traz felicidade. Essa foi a lição que aprendemos com os europeus.
Note bem, não estou pregando o fim das empregadas domésticas, que precisam do emprego, e nem achando que o “modelo frugal europeu” funciona para todo mundo como receita de felicidade. Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma parcela como uma generalização sobre a sociedade brasileira, digo logo que, sim. Esse texto se aplica ao pé da letra para um público bem específico. Minha intenção é apenas tentar mostrar que a vida sempre pode ser menos complicada e mais racional do que muitos imaginam.
Texto de Adriana Setti, resumido – NG Canela – Agosto 2013